Ao fim de 40 anos toca o meu telemóvel e ouço uma voz que me pergunta - sabes quem fala?
Não faço a menor ideia! Foi aquilo que me saiu da boca.
Sou o Neiva, da Companhia 8 de Fuzileiros, não te lembras de mim?
Claro que me lembrava dele. E lembrava-me melhor ainda do trabalho que me deu, a mim e mais um grupo de camaradas, para carregar com ele às costas pelo Tchifuli abaixo e salvar-lhe a vida por um triz.
Tínhamos saído em patrulha. Fomos subindo lentamente pelo morro acima. Já cansados, depois de cerca de meia-hora sempre a subir, decidimos fazer uma paragem para descansar. Cada um abancou onde melhor lhe pareceu. O Neiva encostou a G3 a uma árvore de pequeno porte, sentou-se e encostou-se também à mesma pequena árvore. Ao fazê-lo deu-lhe um ligeiro abanão. Isso foi o suficiente para despertar um ninho de vespas que ali havia, pendurado de um dos ramos da árvore. Elas começaram a zumbir á volta das nossas cabeças e cada um protegeu-se como pôde.
O pobre do Neiva, na posição em que estava, levou com o grosso do enxame em cima dele. Começou aos berros que nem um cabrito desmamado. Passado um bocado estava a vomitar e a cair para o lado, sem dar acordo de si.
Corremos com ele às costas pelo monte abaixo até chegar à estrada e comunicamos coma Base para mandar um jipe ao nosso encontro. Foi para a enfermaria e o médico tirou-lhe do corpo cerca de 2000 (dois mil, não é engano) ferrões de vespa. Disse ele que não fazia a mais pequena ideia de como é que o Neiva tinha sobrevivido. Diz quem sabe que vinte ferroadas de abelha podem matar um homem de compleição normal.
E então aparece-me este melro, ao fim de 40 anos, a perguntar - sabes quem fala?
Claro que sei, fala o morto! Não, desculpa, aquele que estava quase morto, mas não morreu.
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