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sábado, 15 de novembro de 2008

Histórias. O Mix

O Mix- O Ramiro Diniz Enxuto (16 516) é natural Concelho de Torres Vedras. Em Março de 1962 alistou-se como voluntário na Marinha tendo sido transferido, logo após a entrega do fardamento, para Escola de Fuzileiros, em Vale de Zebro, como a maioria dos filhos da escola. Depois da recruta e do curso de fuzileiros, integrou o Destacamento de Fuzileiros nº 4 que seguiu para Angola, em Fevereiro de 1963.
A razão por que o Ramiro Enxuto passou a ser conhecido por MIX, é do conhecimento de todos os camaradas do DFE-4º., por ser muito guloso. Quando íamos para o mato alimentávamos da famosa ração de combate, composta por latas de conservas, bolachas rijas como cor… e umas bisnagas com doce para remate final: era a sobremesa! Lembro-me que uma dessas bisnagas tinha o nome de trimix - espécie de leite condensado - que o Ramiro devorava sempre sem nunca se enjoar: comia a dele e a dos companheiros. Daí a alcunha de mix.




Ao que consta, o seu pai era Sargento na Guarda Nacional Republicana. Crê-se que um homem militarmente disciplinado.
Certa ocasião, o Ramiro que estava de férias na sua terra, lembrou-se também de convidar o filho da Escola Manuel Joaquim Martins (16 509) para lá ir passar uns dias com ele. O Martins aceitou. Durante aquela estada, o Ramiro Enxuto pensou em visitar o pai ao Quartel com o amigo convidado. Lá foram os dois, o pai recebeu-os bem, fez as honras da Unidade, mostrou o local da parada, os alojamentos, Refeitório, etc. Passado algum tempo, a visita chega ao fim e despedem-se. Agora, há que regressar a casa, mas como, a pé? Esta ideia não agradava nada ao Mix. Só que ele, logo que o pai virou costas, viu uma bicicleta largada na parada, junto ao Portão de Armas! não pensou duas vezes: agarrou na bicicleta e vieram os dois montados nela até casa…
Esta história foi contada pelo Martins, 40 anos mais tarde que me disse: Hé, pá... o pai do Mix não gostou mesmo nada dele ter feito aquilo. Pudera!
Histórias passadas com o Mix, em Angola, não faltam. No DFE4, o Ramiro Dinis e o Carlos Ferreira/Almada integravam a esquadra do João Filipe Reis e esta fazia parte da Secção Charles, chefiada por José Trigo. Não se poderá dizer que o Mix fosse um indivíduo disciplinado…



Gostava de andar pelas sanzalas, de se divertir e de beber até mais não… A ele também se lhe aplicava o Princípio de Arquimedes com as adaptações, evidamente introduzidas pelo moço de Quelfes: Todo álcool (líquido) mergulhado num corpo…
Lembro-me de um dia de manhã, em Santo António do Zaire, o Mix andar nu pela parada com o corpo marcado pelas molas da cama onde passara parte da noite. Tinha bebido uma garrafa de vodka sozinho e até lhe deu para arrancar a casca das árvores com os dentes e o pessoal teve que o levar as costas para a caserna. Entrou depois em estado de coma e foi o nosso camarada Bré, que prestava serviço de enfermagem, por gosto e vocação, na Botica do Hospital que o safou. Veio para Lisboa mais cedo por isso.

O Mix era de facto diferente da maioria.
Lembra o Agostinho Maduro que o Mix nunca lavou uma camisa. Quando a dele se sujava ia ao estendal, tirava uma camisa lavada, e deixava lá a sua… Uma ocasião, o Sargento Chamusca, em Sazaire, chama-lhe a atenção para a camisa que trazia vestida, naturalmente, suja. Não teve problemas. Deixou a dele no estendal e vestiu a camisa lavada que lá estava, que por acaso até era a do sargento Chamusca!
A arma, G-3 que trazia consigo também já não era a de origem. Tinha-a perdido, creio que caído ao rio, e não sei se foi só uma vez...

Certo dia, estávamos todos formados para irmos fazer exercícios ou ir treinar o tiro, nas imediações de Santo António do Zaire, mas faltava um dos elementos: era o Mix. Esperamos por ele algum tempo mas ele não apareceu; fomos à sua procura e também não o encontramos. Aguardamos ainda um pouco mais, em vão… Partimos. Quando chegamos mais ou menos a meio do percurso eis que damos de caras com o Mix à beira do caminho com três jovens raparigas africanas e uma varinha na mão. Ao ver-nos, apontou com a varinha para elas e disse: Que tal, gostam?
Noutra ocasião, deu para lavar o cabelo com água oxigenada. Suponho que era para aloirar cabelo. Não sei bem. O facto é que o Zé Trigo, Chefe da Secção dele, era quem fazia as requisições deste produto para o Posto e se interrogou com os gastos exagerados de água oxigenada, até que descobriu: era o Mix que a usava para lavar o cabelo!








Os anos - e foram muitos - correram e só há pouco tempo voltei a ver o Ramiro Dinis Enxuto (o Mix). As Primeiras notícias e contacto foram estabelecidos entre ele e o Almada, por causa do envio do meu livro Memorando e o 3.º Encontro do DFE4.


Depois, no próprio dia do Encontro, ou seja no dia 5 de Abril de 2008, quando conversei com ele. Fiquei a saber que depois do nosso regresso de Angola, em 1965, o Mix ficou na Escola de Vale de Zebro como instrutor! Fiquei surpreendido e perguntei-lhe a que se devia essa proeza; se não fizera mais comissões nos Destacamentos, em África. Respondeu-me com toda a naturalidade que não. Que não o queriam lá… e assim se tornara instrutor.
Curiosamente, esteve em Angola - como civil - e o Almada também, mas nunca se encontrarem. Segundo o próprio Mix, depois da Independência de Angola, foi recrutado pelo MPLA. Não entrou em pormenores mas esteve para ser fuzilado, num pelotão de fuzilamento, com uma bala na câmara apontada para ele! – Contou este facto, na maior descontracção. Se bem o conheço, nem terá manifestado qualquer medo. Uma pouco naquela: que se lixe…
Todos nós gostamos de ver o Mix, que hoje mora na Figueira da Foz: É operador na Câmara Municipal e tem uma filha com nove anos e outra casada. A sua história de vida daria, estou certo, um bom romance. Quem sabe, um dia…

1 comentário:

  1. Feliz ou infelizmente havia muitos como O Mix. Apanhados do clima, cacimbados, ou qualquer outra coisa que lhe chamassem, servia para definir este tipo de comportamentos rebeldes. Fosse pela sua natureza ou pelo estado psicótico provocado pelo clima de guerra, em que vivíamos, não conseguiam ajustar-se à disciplina que era necessário impor a todos e a todo o custo.

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