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domingo, 3 de março de 2024

De regresso ao Infulene!

 No Vale do Infulene, há 3 coisas marcantes que não podem varrer-se da memória a quem ali viveu, na década de 60 do século passado. A primeira e mais sinistra de todas é a penitenciária que serviu para a PIDE lá enfiar todo o bicho careta que fosse a favor da libertação dessa nossa colónia do jugo colonial salazarista.

Depois da independência, o Samora Machel fez o mesmo e todos os inimigos do novo país independente que ousavam manifestar a sua opinião batiam lá com os ossos e muitos desapareceram sem deixar qualquer rasto.



A segunda era a Estação Radionaval da Machava que, a partir de 1962, incluía também o quartel de fuzileiros. As duas ficavam costas com costas, a primeira do lado poente e a segunda do ado nascente.



A terceira coisa que foi construída em meados dessa década - eu estive em Portugal de Abril a Outubro de 1965 - quando de lá saí, em fins de Março, não havia estádio e quando lá cheguei, por alturas do Natal, estava ele pronto a ser inaugurado.


Na primeira foto, avista-se um pouco do estádio, no canto inferior esquerdo da imagem para que fiquem com uma perspectiva geral da área envolvente. Para quem vem do centro da cidade, entra na estrada que segue para Vila Luísa (actual, Marracuene) e vira à esquerda, antes de chegar ao Jardim Zoológico, em direcção à Vila da Machava.


Um pouco antes de a estrada começar a subir, para a zona da penitenciária e outras coisas mencionadas, encontra-se a Fábrica da Cerveja 2M, do lado esquerdo da estrada. 


Depois de passar a fábrica, no tempo em que lá vivi, não havia mais nada além de campos de amendoim ou mandioca. Agora, basta olhar para as fotos para perceber que toda a área está coberta de habitações. Consequências da guerra que tirou toda a gente do mato e os trouxe para a cidade, onde o terrorismo, e mais tarde a guerra civil entre a Frelimo e a Renamo (comunistas contra não-comunistas) não chegava. Vieram em busca de protecção e ali ficaram para sempre.

Eu que conhecia todos aqueles caminhos e carreiros, se lá voltasse, hoje, perdia-me com toda a certeza. Na rua que corre paralela àquela que leva à Estação Radionaval, havia uma cantina que se chamava «Buissa Male», onde o pessoal militar ia gastar o dinheiro do pré. Buissa male na língua local quer dizer "dá-me dinheiro", mesmo a propósito.

E por aqui me fico, hoje, pois os olhos não dão para mais !!!

quinta-feira, 29 de fevereiro de 2024

A minha recruta!


Apresentei-me, como voluntário, em Março de 62, no Corpo de Marinheiros do Alfeite, para ser submetido a inspecção médica e curricular, sem a qual não poderia ingressar na Armada Portuguesa.

Tendo sido apurado, fui para a Escola de Fuzileiros, em Vale de Zebro, Palhais, no concelho do Barreiro, onde começaram a fazer a sua recruta os escolhidos para fazer parte do quadro de Fuzileiros. Depois da inspecção, aqueles que não eram seleccionados para fuzileiros, cerca de dois terços, seguiam para a Escola de Alunos Marinheiros, em Vila Franca de Xira, onde eram ensinados em todas as artes necessárias à navegação. Eu sou um de 4 irmãos que foram para a Marinha, os dois mais velhos foram para os fuzileiros, enquanto que os dois mais novos foram para a Escola de Alunos, por já ter terminado a Guerra Colonial e não serem precisos mais fuzileiros. Um saiu "Manobra" (na Marinha Mercante chamam-se "Moços de Convés) que são aqueles que auxiliam nas manobras, de todo o tipo, que um navio requer. O mais novo saiu electricista que era a sua área profissional, antes de ir à inspecção.

Os camaradas fuzileiros que fizeram parte do meu recrutamento, cerca de 300 almas, foram divididos em duas companhias de 150 homens cada. Cada companhia tinha 4 pelotões (assim uma espécie de turmas) e cada pelotão 4 secções. A mim coube-me a 2ª Secção, do 2º Pelotão da 1ª Companhia. Por curiosidade e para completar esta informação, os números de matrícula na Armada que nos foram atribuidos, no dia da inspecção, começavam no 16.223 e terminavam no 17.012. A mim calhou o número 16.429 e como se depreende do número eu fui o Nº 206 na fila das inspecções.

A nossa recruta começou, oficialmente, no fim de Março, no dia em que chegaram à Escola de Fuzileiros os últimos inspeccionados. A Recruta durava cerca de 15 semanas e seguia-se o Juramento de Bandeira, o que no meu caso, ocorreu em 25 de Julho. A partir daí, começava o Curso de Instrução Técnica Elementar(ITE) que durava cerca de 10 semanas, em que se aprimoravam os conhecimentos de Armamento, Técnicas de Combate, Educação Física e outras.

Os voluntários que não conseguissem aproveitamento neste curso eram mandados para casa. Alguns voltaram a concorrer mais tarde, mas a maior parte iam para o Exército, depois de completarem os 20 anos de idade. Os recrutados entravam num novo curso, ao perfazerem 18 meses de Marinha, o chamado Curso de 1º Grau. Os que tivessem aproveitamento eram promovidos ao posto de Marinheiro e passavam a fazer parte dos quadros (tipo funcionário público). Os que não conseguiam o necessário aproveitamento ficavam em Grumetes até completarem os 4 anos de contrato e depois passavam à reserva (iam para a vida civil tratar da sua vida).

Por causa da Guerra Colonial, havia a necessidade de formar unidades de fuzileiros navais, assim como de fuzileiros especiais, para seguirem para o Ultramar. Os primeiros eram agregados em Companhias, com cerca de 150 homens (CF) e teriam a seu cargo a segurança das instalações, em África, enquanto que os segundos se agregavam em Destacamentos (DFE) com cerca de 80 homens cada e levariam a cabo as operações de combate aos guerrilheiros, em cada um dos "Teatros de Guerra".

Estas Unidades de Fuzileiros eram formadas por decreto do governo. A minha Companhia, a segunda a ser formada, recebeu o número 2 (CF2) e foi formada por decreto de 2 de Outubro de 1962. Quando este decreto foi publicado no Diário da República, já estavam em Moçambique, cerca de 40 homens. Foram, antecipadamente, pois havia ainda muito que fazer para dar por concluidas as obras de construção do Aquartelamento que nos iria receber.

A Estação Radionaval da Machava (ERM) constava de 3 polos distintos, Comando, Recepção e Transmissões. No primeiro situavam-se as instalações da guarnição, camaratas, cozinha e refeitório e instalações sanitárias. No segundo funcionavam os aparelhos de rádio que controlavam a recepção de mensagens. No terceiro que funcionava a cerca de 3 Kms dos outros dois, funcionava o serviço de transmissões, como o nome indica. À volta das antenas que tornavam possível o serviço telegráfico, havia uma área de muitos hectares. O espaço, encostado aos arames farpados, do lado nascente, foi o escolhido para construção do nosso quartel.

O quartel constava de 4 edifícios, comando, cozinha e refeitório, caserna 1 e caserna 2, dispostos em volta da Parada que tinha cerca de um hectare. Do lado sul, o edifíco do Comando, com dois andares, sendo o rés-do-chão para os diversos serviços e gabinetes e o primeiro andar reservado aos oficiais, messe, gabinete do Comando, camaratas, etc. Em frente, do lado norte, ficava uma pequena rotunda, em que estava implantado o "Pau de Bandeira". Do lado poente, o refeitório, cozinha, cantina e outros. E, por último, as duas casernas, do lado nascente. A mim calhou-me a do lado norte, já não recordo se tinha o número 1 ou 2.

Ali cheguei, em 2 de Novembro, depois de uma atribulada viagem de avião que durou 19 dias (?!?) e por ali fiquei até completar os meus 21 anos de idade. Nos últimos meses de comissão, quando deveríamos estar a fazer as malas para regressar à escola de fuzileiros, rebentou a guerra, no norte do território, e o meu pelotão foi destacado para ir fazer a segurança da Base Naval de Metangula, onde fiquei até ao fim de janeiro de 1965.

No fim de Março, embarcámos no Infante D. Henrique e chegámos a Lisboa, no dia 11 de Abril, dando por finda a comissão de serviço, sem nenhum morto nem ferido, em que poucos ouviram os tiros das AK47, empunhados pelos Turras da Frelimo.

quarta-feira, 3 de janeiro de 2024

Um fuzileiro nunca morre!

 


Hoje, partiu mais um filho da escola que devia ter, mais ou menos a mesma idade que eu. Entrou na Escola na Primavera de 64, recebeu um número de matrícula na casa dos 20 milhões, mas depois foi reciclado com o número - 847/64 - com que viveu, até hoje, data em que um inesperado AVC lhe roubou a vida.

Atingiu o posto de Cabo, com que se reformou, e fez 5 comissões passando por todos os 3 teatros de guerra. A última delas foi debaixo do meu guião, aquele que fui estrear a Moçambique, em 1962, hasteado pela CF2, a primeira a pisar solo moçambicano de que eu fazia parte.

Não o conheci, pessoalmente, mas através da sua esposa que é uma das minhas seguidoras no blog - http://nma-16429.blogspot.com/ - onde se fala de fuzileiros, da Marinha, da Guerra Colonial e outras coisas. O José Júlio foi para Moçambique ainda solteiro e casou-se com a Elvira por procuração, vindo mais tarde a repetir a cerimónia do casamento, na catedral de Nampula, depois de ela se ter juntado a ele.

Nos últimos tempos, a sua saúde foi um problema, muitas corridas para o hospital, alguns sustos, algumas cirurgias e muita dor partilhada com a sua esposa, pelo que sou levado acreditar que o Criador lhes fez um favor levando-o para junto dele. Fica a saudade dos muitos e bons anos que passaram juntos, mas acaba-se o sofrimento de uma vida sem a menor qualidade devido às doenças que afligiam o filho da nossa escola.

Que Deus lhe reserve um bom lugar e descanse em paz !