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terça-feira, 6 de janeiro de 2009

Marinha, marujos …

... e um pouco de mim mesmo!

Nota do Leiria:
Esta foi uma carta que escrevi e foi publicada num jornal de expressão portuguesa da Comunidade de Toronto, em Novembro de 1995. Daqui resultou a fundação da AMAP do Canadá a qual esteve em actividade durante 10 anos.


Realizou-se no passado Sábado dia 16 de Novembro, no restaurante Sea King, na Dundas Street, em Toronto, um jantar de marujos. Teve este a finalidade de se juntarem e discutir a possibilidade de se vir a fundar uma Associação idêntica há já existente nos Estados Unidos com o nome: Associação de Marinheiros da Armada Portuguesa (AMAP).

Trinta anos passados, uma reunião, uma sardinhada-jantar, um relembrar vivo da minha vida de marujo!... Olho para os outros e imagino-os todos fardados com aquela farda que só a Marinha tem!... Imagino aquelas caras marujas debaixo daquele chapéu que só a “Briosa” sabe ter, e concluo então: Serem eles todos bem puros marinheiros! Começo por procurar um Filho-da-Escola mas não encontro. Para uns sou “marreta”, outros, “maçaricos” para mim são... Marretas e maçaricos, fazem parte do vocabulário que só marujo entende!... Linguagem própria dos sucessores dos Gamas e Cabrais.
Setembro de 1961, do ano de Nosso Senhor Jesus Cristo eu, com 17 tenros anos de idade, aspirante a aluno-marinheiro, que nada quiz com os livros, (porque só os passear soube), vim de lá, duma terrinha dos lados de Leiria e, para que a sobrecarga dos meus pais mais leve se tornasse, lá fui à procura da tão ditosa Briosa!...
Depois de inspeccionado, como todos descalço até ao pescoço e apurado, lá fui, destino ao barbeiro, melão, ou antes cabeça a rapar e logo de seguida em direcção ao paiol da farda. Farda de cotim cinzenta, própria dos maçaricos, cuecas que ficavam em sentido ao colocá-las direitas sobre a cama... Uma boa, mas forçada banhoca, logo uma farda a vestir... E notei que não era mais meu... Mas sim propriedade da Marinha! E pronto, vejo-me ao espelho ao ver os meus novos colegas: “Filhos da Escola”, vejo-me neles ao vê-los a eles... Pois nos sentiamos, e eramos iguais, bem acinzentados de côr!...
Trocamos palavras, perguntas foram feitas, respostas dadas, exclamações e interjeições vociferadas... Sei lá... Sei lá... Um sem número de coisas com entusiasmo faladas e discutidas. No fim lá fomos, cantando e rindo! Lembro vozes de comando por todo o lado. “Óh mancebo anda cá, forma aqui ao lado deste, alinha por aquele. Prá frente marcha: 1, 2, esquerdo-direito, 1, 2, esquerdo-direito”... Era o sargento monitor a começar mais uma, entre muitas recrutas já dadas. “1, 2, esquerdo-direito”...
Lá fomos, virados a Vale de Zebro, Escola de Fuzileiros; pois então, já me podia chamar Grumete Fuzileiro! Admirado comigo próprio!... Vejam só, Grumete Fuzileiro! Três meses passados, bandeira jurada, um par de botas da tropa gastas, saúde da boa, preparação de cavalo de corrida, musculatura bem defenida e rija, e com a sensação de que o mundo eu meu para conquistar... Férias na santa terrinha, e as botas continuando a bater rijo e forte nas calçadas.
-“Estás diferente, pareces um atleta!” Eram os meus irmãos e colegas dizê-lo. –“Se te parece, depois de ter marcado tanto passo, corrido e praticado desportos, não é de admirar, não”.
Dias depois lá vou eu de regresso, porque havia mais um curso a tirar, muito ainda a correr e a aprender: desde o respeitante à hiarquia militar, até ao saber trepar correcto, destemido e seguro nos mastros do Navio-Escola Sagres. E ainda a aprendizagem de nós e laços, nas cordas no que respeita à arte de marinhar.
Acabado tal curso, saiu a boa-nova de que: “Voluntários precisavam-se para Moçambique”. Então lá foi este marujo, rumo aos novos-mundos, dados ao mundo pelo Gama e outros Marinheiros, senhores das epopeias em verso cantadas por Camões!... Moçambique, “terra da boa gente”. Isso posso eu dizer... Infelizmente, por motivo de forças alheias, foram levados a levantar armas contra nós e mais tarde (25 de Abril passado), entre eles próprios, na esperança duma vida melhor, um dia. Só que esse dia ainda não chegou e não vai chegando ainda...
Fomos bafejados duma comissão nessas terras relativamente calmas, excepto por um murmúrio que se começara a ouvir: os “turras”, como eram conhecidos, estavam-se a organizar em força e poderio militar!... A guerra da catana já era outra; as suas armas eram tão ou mais sofisticadas do que as nossas!
Enfim, o resultado já foi visto. Regressamos ao continente, como uns senhores, no navio Infante D. Henrique! Com passagem pelas terras belas da África do Sul, Angola, Guiné, Canárias e Madeira.
Novembro de 1965, com requerimento de baixa da Marinha deferido, logo, e de regresso à santa terra, e por órdem do destino, lá vou encontrar a minha futura cara-metade, a minha já radicada canadiana, enfim, o meu ditoso bilhete de passagem para o Canadá. Trinta anos são passados, uma sardinhada-jantar, uma reunião, um relembrar vivo da minha vida de marujo, com a esperança de que tudo se repita...

Bem-hajam, Filhos da Escola.

Escreveu:

Artur C Sousa (o Leiria) Marinheiro Fuz., 15683

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