No próximo dia 5 de Outubro comemoram-se os 100 anos da República Portuguesa. Vejamos alguns apontamentos ou notas, falando da República em linguagem pouco comum, cujo valor no panorama da actual literatura se torna um desafio a considerar!
O escrivão faz de viúvo e catrapisca Orquidinha:
Encasacado de preto, o escrivão faz de viúvo da menina viscondessa no funeral da dita. O Dr. Alfredo bufa ca justiça é a cabeça de todo o governo e, porque não há justiça, o governo, descabeçado, desanda às apalpadelas, porque se está na véspera de uma revolução, e o escrivão, para desanojar do nojo, vai visitar Orquidinha.
Fui, feliz, hoje…só dor!
Estou positivamente cansado de cansaço. Ontem (encasacado de preto sempre em pé à direita do senhor visconde) fiz de viúvo da defunta menina viscondessa e chorei bastante pois, como é ordinário que assim seja por ser a defunta quem foi, fui pesamado de pêsames pela soma inteira da gente da reinação cá da vila. Inté houve quem me desse trato de “senhor viúvo fidalgo”!
No cemitério, diante do mausoléu de família do senhor visconde (a banda filarmónica a prantear em sol menor) pranteei, em sol maior, um pranto de Ayres de Gouveia que decorei para a ocasião:
“Para sempre, Adeus! Perdida
Ai, foi mais esta ilusão:
É mais no livro da vida
Uma página volvida,
E menos no coração.
Perdida! Maldita ideia!
Perder assim tanto amor:
Do novo crente, adorei-a;
Como louco, idolatrei-a,
Fui, feliz, hoje…só dor”
Pranteando o pranto, dearreiei-me em lágrimas. Assocorreu-me a Orquidinha que m’assoou os olhos com um lencinho bêbado de água de cheiro.
Tempo rançoso de pôr um homem à janela!
Encasacado de nojo, andei o dia quase inteiriço a gandaiar pelas ruas da vila para que o povo fosse constante que estou de luto pela morte da menina viscondessa. O Dr. Alfredo viu-me em gandaição e fez-me “pssst pssst”. Espreitei derredor pra ter certeza de que não estava a ser cuscado, encafuei-me na botica e assentei-me. Ele botou-se a bufar ca justiça é a cabeça de todo o governo; e que não temos justiça; e que, desjuizados, ajuíza-nos um governo sem cabeça; e, mais ainda, descabeçado, o governo desanda às apalpadelas; e que o povo, desandado e apalpado, compra armas pela sombra da noite com que há-de fazer “pum pum”quando a hora s’alevantar…
O Dr. Alfredo chupou o coto do charuto a plenos pulmões e, entourido de fumo, bufou:
- Estamos na véspera duma revolução popular, senhor escrivão!
Para desanojar do nojo que m’enoja, fui a casa da Orquidinha. Ela, mui lambisgóia, lambisgoiou-me que lera no jornal ca senhora Dona Maria Pia, viúva de D. Luís I e avó D’el-Rei D. Manuel II, vai ser convocada pra comparecer como ré no Real Palácio da Ajuda.
Um comerciante de panos da moda estabelecido no Chiado de Lisboa intentou contra a Real Senhora uma acção judicial. É que a Dona Maria Pia encomendou, por catálogo, pra riba de dois armários de vestidos franceses e, crente que a uma Rainha tudo é dado, levou os vestidos mas recusou-se a pagá-los!
- A monarquia está podre – riu a Orquidinha.
E a Orquidinha está sãzinha – catrapisquei-a, passando-lhe a mão pelo catrapisco.
Comentário:
Reparem, meus amigos, que um pouco desta narrativa ou história, se assim lhe quisermos chamar, é muito semelhante à governação que vamos tendo, cheia de peripécias e gatafunhadas, de estouvadas ideias que desconectam qualquer português atento a tudo aquilo que se passa, neste Paraíso à beira-mar plantado (desprezado, desgovernado, caloteiro e arruinado em dívidas).
Mais: ainda estão por julgar os carrascos do regicídio em que sucumbiram o Rei D. Luís e seu filho herdeiro do Trono de Portugal. Soube-se quem foi mas não se julgou e puniu.
Se, por exemplo ou mesmo casualidade, hoje, se matasse o Presidente da República ou o 1º Ministro, haveria lugar a julgamentos e punições? Pois, certamente, haveria. Então, julguem-se os criminosos, mesmo a título póstumo, porque, senão, pega em moda e quando não servem para reinar ou governar ou não se gosta deles, matam-se? Não julgues sem necessidade, nem castigues sem descobrir as culpas! Mas, age de acordo com as leis, cumpre-as e fá-las cumprir…
ATVerde
Viva a República! Abaixo a Monarquia! Onde está a Democracia?
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