Tinha apenas alguns meses de vida quando faleceu a sua mãe. Com a permissão do pai, nos primeiros anos esteve ao cuidado de uma tia que lhe dispensou as maiores atenções, como se tratasse de um príncipe. Com cinco anos, voltou para a casa paterna. A tia adoecera gravemente, acabando por falecer. Para ele, a mãe que conhecera era aquela tia. Chorava frequentemente por ela. O pai era completamente estranho para ele e foi difícil a adaptação.
Na escola conheceu vários rapazes de quem se tornou amigo e companheiro de grandes aventuras. Andava na quarta classe, assim se designava o actual quarto ano do primeiro ciclo, quando o pai faleceu, vítima de tuberculose.
Passou a viver com um dos irmãos mais velhos, seu padrinho de baptismo. Foi para ele o verdadeiro pai. Cuidou dele e foi-lhe ensinando a sua profissão de electricista e aos dezassete anos já era um bom profissional. O irmão, para além da profissão, começou a ensinar-lhe a tocar guitarra. Rapidamente aprendia a tocar as cantigas tradicionais e as canções que ouvia na rádio e que estavam mais na moda. Por causa da guitarra tornou-se muito popular e presença assídua nos bailaricos da terra.
Um dia, descobriu à janela duma das casas mais importantes da terra uma jovem mulher, muito bonita. Em frente desta casa, ficava o jardinzito público. A partir daí, à noite, sentava-se num dos carcomidos bancos do jardim, voltado para a janela onde vira a jovem, e tocava e cantava canções de amor. Meses mais tarde, conheceram-se pessoalmente e casaram-se algum tempo depois. Foram felizes e tiveram três filhos.
Esta a parte da vida deste homem. Conheci-o recentemente num lar. Tem quase oitenta anos. Muito lúcido, confessou que preparou a sua velhice, sobretudo a partir da morte da esposa. Educou os filhos o melhor que pôde, dando a cada um o curso superior por eles escolhido, não regateando esforços e sacrifícios. Mas, sentindo-se amado pelos filhos, sempre pensou que seria melhor não contar muito com eles quando fosse velho.
Trabalhou até aos setenta e cinco anos. Vendo que nenhum dos filhos estava interessado na empresa que tinha, passou-a para os empregados. Aos filhos deu metade dos bens, correspondente à herança da mãe. Depois começou a procurar um lar onde, após algumas tentativas, logrou encontrar aquilo que desejava.
Confessou-me uma coisa que dá que pensar: não quis ouvir dos filhos que não podiam cuidar dele. Também não os consultou. Alguns dias antes de ir viver para o lar, convidou os filhos para um almoço e deu-lhes conta da sua decisão. Ficaram todos calados. Um dos netos, ainda adolescente, reagiu:
- Avô, porque vai viver num lar? Não trabalhou incansavelmente com a avó para criar os filhos, dando tudo para que nada lhes faltasse?
- Não te preocupes. Faz como eu: ao longo da vida assegura o tempo da tua velhice…
«Poderia, com relativa facilidade, comentar esta realidade que hoje afecta um número muito exagerado de “velhos”, mas, quero deixar essa apreciação ao critério da vossa sagaz consciência, que sei de antemão, capaz e idónea para resumir em palavras sãs o episódio confrangente que acabei de narrar.»
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